Som & Fúria em Cenas Viscerais (Crítica)

Abaixo segue a critica escrita por Guilherme Ramos, publicada no Caderno B no dia 01 de junho de 2016,  no jornal da Gazeta (versão impressa). As fotos desta postagem são de Nyrium, e na publicação do Jornal Impresso de Adalberto Farias (disponível na página do facebook: Projeto Claricena). 

Foto: Nyrium

Mais uma vez imergi num mundo claricênico, sob a direção do promissor Anderson Vieira. O espetáculo Granja dos corações amargurados (criação coletiva) foi baseado no conto O ovo e a galinha, do livro Felicidade clandestina (1971), de Clarice Lispector, e interpretado por alunos de Teatro da Universidade Federal de Alagoas.

Foto: Nyrium

Seguindo a fórmula de seu espetáculo anterior (Especto – A pecadora queimada e os anjos harmoniosos), inspirado em outra obra de Lispector, algumas estratégias foram retrabalhadas: o lustre do Teatro Deodoro, agora banhado por luzes vermelhas (no outro era azul), foi o foco visual das atenções enquanto a Granja abria-se ao público através de uma fala (gravada) de Clarice, expressando sua predileção pela obra.

Foto: Nyrium

Nesse clima hermético, entendemos que a história a seguir seria cheia de som e fúria – e cenas bem pensadas –, como é o estilo do Claricena. Para quem conhece o grupo, era hora de apertar o cinto, prender a respiração e seguir numa viagem quase sem volta.

Foto: Nyrium

A adaptação fragmenta o conto (de 11 páginas) em cenas viscerais, algumas se repetindo em loops, com intenções diferentes, forças diferentes, objetivos diferentes, como um eco da (in)consciência dos agentes que trabalham na Granja São Geraldo. 

Foto: Nyrium

Homens, mulheres, loucos, sãos, ninguém sabe ao certo o que se passa em suas mentes, quando a questão “Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?” é lançada no ar como ópio nas narinas de um viciado – assim como pipocas, grãos de milho, penas, muitas penas, e ovos de verdade (!) –, empestando o palco (alguns itens, também a plateia) como uma maldição, como uma lembrança de que todos ali estão presos uns aos outros, como elos de uma corrente em brasa, que os arrastam para um inferno pessoal e intransferível, onde o ralo filete de amor que brota entre as ranhuras da alma seca sucumbe à inveja implacável, afogando-se em sangue, matadouro, sarjeta. Não há final feliz na Granja. Não poderia haver. É tudo cruel. Como o ser humano não precisa ser.

Foto: Nyrium

O espetáculo recebeu um tratamento estético – iluminação, sonoplastia, cenário e adereços – funcional, como já era de se esperar. No figurino, uma ressalva: é preciso um pouco mais de unidade cênica. No uso do preto, branco e jeans (claro e escuro), alguns personagens ficaram equilibrados, já outros pareciam improviso. Com relação às interpretações, para um coletivo de 13 atores/atrizes em cena, a performance é mediana, mas há boas surpresas. A expressão corporal e vocal de algumas pessoas dá gosto ver. 

Foto: Nyrium

Torço para que continuem no teatro e, com mais ensaios e novos espetáculos, possam profissionalizar-se, oxigenando a cena alagoana. Os artistas Homero Cavalcante, José Márcio Passos, Julien Costa, entre outros, estavam na plateia e devem concordar comigo. 

Foto: Nyrium

Ressalto que o uso de uma intérprete de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais), do início ao fim do espetáculo, foi uma demonstração de sensibilidade e conscientização social, guiada pelo desejo de democratizar e amplificar a mensagem em cena, o que ainda é raro nas produções locais.

Foto: Nyrium

Seguindo a tradição, foi realizado um debate após o espetáculo - quando palco e plateia interagem e discutem juntos sobre conceitos e resultados. É hora de descer do pedestal de "artista" e de se tornar apenas um "humano a serviço da Arte". É o momento do público saciar sua curiosidade, de expressar seu encantamento ou descontentamento. É importante saber como foi o processo de criação, as dificuldades, os desejos, as frustrações de ambos os lados.

Foto: Nyrium

De saber que, mesmo com talento, ainda é preciso ter um emprego para pagar as contas. É preciso saber que o trabalho no palco é por amor e não por dinheiro. De saber que o Claricena não se considera um "grupo" e, talvez por isso, apresente resultados (ser grupo demanda algumas obrigações administrativas que atrapalham a vida do artista convencional). De saber que o experimento vem se transformando em cada local de apresentação - o uso de escadas e outros itens, por exemplo, que só existem no Teatro Deodoro, contribuíram para o espetáculo ser exatamente como foi nessa noite: único. Mas próximo do fim.

Foto: Nyrium

Sim, essa apresentação pode ter sido a última. Já se planeja um terceiro e, talvez, último espetáculo (perdoem-me se entendi errado!), que pode ser o fim do projeto. Ou o começo de algo novo. Afinal, simbolicamente, o ovo significa transformação, renovação, entre tantas outras coisas inspiradoras.

Foto: Nyrium

Não seria esse o momento atual do Claricena? A transfiguração que virá, só a eles pertecem. Caberá a cada um de nós, plateia ansiosa, aguardar, divulgar e lotar a próxima produção.

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Quem quiser conhecer mais sobre o Projeto Claricena, seus processos e planos futuros, visite o blog projetoclaricena.blogspot.com.br. Será no minimo, inspirador. 

Foto: Nyrium

Guilherme Ramos é artista intermídia, escritor de verso e prosa, dramaturgo, ator, diretor teatral e compositor. Agradecemos a suas palavras construtivas, ao Jornal Gazeta pela publicação e ao Teatro Deodoro pela oportunidade e espaço.


Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

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Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

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Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium

Foto: Nyrium
Em breve a terceira parte das fotos pelo olhar de Nyrium.
Link Online: http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=288443

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