Crítica do espetáculo: Granja dos corações amargurados
Foto: Nyrium
Dizem que galinhas não voam, ou que até voam, mas não conseguem ir longe.
Outra coisa que dizem sobre elas é que seu signo zodiacal poderia ser Câncer, por
conta do lado maternal, do vínculo que ela cria com o ovo. Dizem muitas coisas
sobre as galinhas e a curiosidade em volta delas é incontestável e portanto é
legítima a escolha. A escolha é feita pelo Grupo Claricena, que já demonstra a
preferência na identificação: Clarice Lispector, precisamente no caso de “Granja dos
corações amargurados” baseado em um discurso de Clarice e seu singular conto “O
ovo e a galinha”, daí a atmosfera desenhada é uma granja de “agentes” aflitos. E
então, é todo esse amargor que nos invade e toma conta de nós, o ovo e a galinha,
a granja e a Clarice, inaudível e audível, coração e signo de Câncer, poliamor e
polirritmia, nenhuma conclusão.
Foto: Nyrium
A luz nem sempre alcançou as galinhas, o som nem sempre foi generoso com elas,
elas “cacofonia” muitas vezes, essa falta de afeto técnico com as galinhas e das
galinhas, é falta ou é atrevimento? As intenções chegaram até nós, e são boas, mas
de fato além do pó pairar no ar, a possível desafinação entre texto e ação também
é revelada, falando de dramaturgia e direção, as duas parecem dançar ritmos
diferentes, e incluídas nas incertezas faz sentido o desarranjo? Questões, muitas
delas surgem aí, estamos cheios e fartos de quem nos desenhe que o ovo vem da
galinha, e aí está quem faz um caminho tortuoso e inverso do óbvio, sentimos daqui
o desespero, o amor, a solidão e a carência, toda a dor da galinha, todo amor ao
ovo. Semanticamente muitas imagens, de amor, paixão, crueldade, passividade,
sempre a figura humana ali, essa era a granja mais humana de todas, e uma frase
com ponto final surge, e sem cobranças ela diz: “chamar de branco o que é branco
pode destruir a humanidade”, e então nos aproximamos mais das galinhas quando
elas nos fornecem sonhos, surrealismo e magia.
Foto: Nyrium
E mesmo quando a galinha dança, pinta, pula, joga, ama, ela reenvia. É o principal
sintoma de um coração amargurado, o que se tem é maturado e revivido, corpos
adestrados, as galinhas buscam então acalento no mantra pela figura um ser maior,
te soa familiar? A morte é banal, por que existe sempre a vassoura para limpar
qualquer sujeira, e a vassoura está aqui para a humanidade, assim como o branco
está para o ovo, romantize por favor. O que foi dado é raro: o direito de chegar a
própria conclusão, mesmo que seja nenhuma, e isso é especial, especialmente
numa sociedade de números, arrobas e hashtags. Dizem que as galinhas não
voam, mas ao final do espetáculo algumas de suas penas nos alcançaram.
Escrita por: Jocianny Carvalho
Foto: Nyrium
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