Claric3na: Um salto parado no ar.

Aqui quem vos escreve é uma pessoa de três anos e três meses de idade, que ainda se considera amador e que vai relatar como foram esses anos de existência. Acredita-se que a escrita liberta. Eu mesmo me sinto livre há alguns meses. Me sinto tão livre que sinto saudade das prisões... E por isso sinto que estou em um salto parado no ar.

Foto: W. Anunciação
Nasci no dia 16 de abril de 2014 quando pronunciei que formaria um grupo, e nele os integrantes inicialmente se dedicariam aos estudos das obras de Clarice Lispector. Nasce aí uma vontade de existir e de carregar nas costas o peso de formação de um Grupo de Teatro. Com o coração sonhador acreditei em 34 convites que fiz, mas fui confiado por 14, esses quatorze realizaram comigo a montagem da primeira obra teatral: Espectro. Como estamos em uma analogia de tempo de existência do grupo e o meu sentir vivo, diria que Espectro foi a minha primeira palavra pronunciada. Uma montagem baseada na única peça teatral de Clarice Lispector: A Pecadora Queimada e os Anjos Harmoniosos. (Sei que talvez eu escreva demais e que as imagens dessa postagem seja o que mais atrai os olhos cansados, e que carregam longos fardos. Mas, mesmo assim, escrevo. Como se fosse para salvar a vida de alguém, talvez a minha).


Foto: W. Anunciação

Os pés descalços, os olhos fechados, duas crianças, os diferentes espaços para os ensaios e o grande silêncio da protagonista desta peça são o que resumiria nosso processo, que se conclui com uma felicidade amadora ao ver o nosso nome e foto na primeira capa do jornal semanas após a nossa estreia - que só aconteceu um ano e meio depois.  


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Em seguida chego ao primeiro ano de vida. Comemoro dentro de uma granja ao lado de mais de 11 jovens, que acreditavam que o ovo realmente possuía um segredo. Realizamos a segunda montagem de um espetáculo teatral: Granja dos Corações Amargurados. Nos primeiros ensaios ganhei afagos, tapas, murros e até mesmo cuspe na cara, investigamos as nossas amarguras, construímos uma sociedade secreta baseada em mitos sobre a maçonaria e bruxaria, tendo como insPIRAÇÃO o texto “O Ovo e a Galinha” de Clarice Lispector.


Foto: W. Anunciação
Cabeças e galochas brancas. Roupas pretas. Sorrisos de moleque amarelo e coração de pena. Quebramos ovos, varremos milhos, fumamos, discutimos "quem nasceu primeiro?" e mostramos uma outra versão do 007. Conscientemente, demos fim a esse processo. Agradecemos as companhias e superamos as dificuldades, deixamos alguns pelo caminho, que preferiram descer pontos antes do terminal: na Rua da Faculdade de direito, Avenida emprego e na Praça não quero ser ator. Os restantes decidiram dar um Adeus a Clarice Lispector, pois sem isso se sentiriam ingratos.


Foto: W. Anunciação

Adeus, Clarice! foi a obra que encerrou a tríade de montagens inspiradas em Clarice Lispector. O motorista do ônibus que vos escreve decide mudar de rota, trocando os ensaios fatigados e pesados, pelo fardo de carregar a vontade de querer ser um grupo de teatro alagoano em uma linda despedida de um grupo de amigos - esses que mais choraram nos últimos ensaios do que pronunciaram seus textos. Brincamos de cantar fingindo preocupação com a afinação, quando na verdade nossa única preocupação era ser feliz em uma sala preta, sem refletores. Agradecemos aos encontros proporcionados e recebemos uma singela homenagem de um evento, nos colocando como melhor produção teatral do ano. Isso não nos importava, mas abraçamos a poesia do tempo, lembrando das noites mal dormidas porque somos jovens: tivemos que nos dividir em festas de madrugada da sexta e ensaios do dia ensolarado de sábado e domingo.

Foto: W. Anunciação

Em seguida continuamos, bem menores, enxutos e com a esperança de mais momentos de poesia. Com a primeira montagem de dramaturgia autoral, sem uma inspiração declarada. A Descoberta de Um, espetáculo que superou os limites individuais do grupo, onde eram três apresentações do mesmo espetáculo. Os espaços então começaram a se abrir e aquela tímida obra, com apenas 10% do grupo ganha forma e mais espaços. É claro que, não tem sido fácil, na verdade nunca foi. Temos a consciência também de que nunca será.

Foto: W. Anunciação


Declaro nesse texto a saudade: dos almoços divididos, das caras de sono pós-festa nos ensaios, das brigas de diretor com a designer, do medo de errar o texto, do cheiro de ovo para limpar, dos galhos secos para amarrar, das conversas pré-ensaio sobre signos, dos ensaios de olhos vendados, dos fotógrafos com e sem cabelo, dos ex namoros formados, dos sonhos compartilhados em uma sala que reprimia e abrigava.

Foto: W. Anunciação
Declaro nesse texto também a gratidão: pela busca individual de todos, pelas brigas com a designer (novamente), pelos beijos roubados, os tapas contidos, a fúria amansada, os cigarros compartilhados, o medo superado, as cadeiras afastadas, as galochas compradas, aos apoios externos e as lembranças jamais borradas.

Foto: W. Anunciação

Seguimos em cartaz tentando DESCOBRIR, mas com esperanças do novamente ver o ESPECTRO de uma GRANJA que não se deu um definitivo ADEUS.

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